Banalidade ou recado do universo? Resignificando encontros casuais na cidade

Tenho uma teoria sobre o pertencer a um lugar, ou a uma cidade. Se sabe que pertence quando, um belo dia, sem mais nem menos, se encontra um conhecido na rua.

Foi assim em Miami. Eu era estagiária em um programa de intercâmbio internacional. Fora de lugar, fora de mim mesma (tinha acabado de tomar um fora de namorado da estação) e longe de tudo. Fui até o aeroporto buscar um amigo e encontrei minha primeira conhecida, por acaso: minha professora de inglês que estava levando o filho (ou buscand

o o marido?) ao aeroporto. Assim, sem mais nem menos, escuto Barbara e vejo a Barbara (também era o nome da minha professora de inglês).

E pimba, eu soube que tinha chegado.

Encontrei meu primeiro conhecido na rua. Foi assim em todos os lugares onde eu morei, Madrid, Helsinki, Londres, Bruxelas. Genebra não conta pois os Unocratas todos circulam nos mesmos lugares então, fatalmente, iríamos nos encontrar. Mas em Wageningen, minha segunda casa, também foi assim há uns 2 meses, encontrei uma aluna na rua e uma amiga do meu marido gritou meu nome desde um restaurante em seguida. Aí eu soube: cheguei.

Aconteceu comigo em São Paulo e essa foi uma revelação: essa semana encontrei duas amigas no supermercado (tudo bem, a gente mora no mesmo bairro) e outra conhecida no Parque, de manhãzinha. Um dia depois do outro. Para mim foi um sinal: agora eu pertenço a São Paulo. E isso é estranho. É estranho porque há alguns dias conversava com um colega sobre a vontade de me mudar daqui. Do quanto era complexo me adaptar ao ritmo e à energia da cidade, que nunca para, que é densa, materialista, anônima.

Daí eu volto e encontro não uma, nem duas, mas três pessoas conhecidas. Assim, sem mais nem menos. Meu Deus! Será isso um sinal? Agora não apenas pertenço mas São Paulo tem algum tipo de direito de posse sobre mim?

Até que não seria ruim. Há coisa melhor do que se sentir em casa, onde estiver? Ainda mais para quem já rodou por aí e se sente mais em casa fora de casa que na própria cidade?

We shall not cease from exploration, and the end of all our exploring will be to arrive where we started and know the place for the first time.
T. S. Eliot

Será que é isso que acontece com a gente? Primeiro a gente roda o mundo e se sente em casa em tudo quanto é lugar e, quando para de resistir, começa a se sentir em casa no seu próprio país, na sua própria família ou na sua própria comunidade?

Desde que saí de Belo Horizonte aos 17 anos, nunca mais me senti plenamente em casa. Antes, eu amava aquela cidade mais que tudo. Era o lugar mais bonito, mais perfeito, mais aconchegante, florido, sorridente, misterioso… Daí fui ser intercambista e parece que a minha alma cindiu-se. Um pedaço ficou na Bélgica e nunca mais voltou. Talvez as tradições indígenas conseguiriam explicar isso, no xamanismo se explica a cisão da alma, de forma até bastante elaborada. E trabalha-se na reconexão, na jornada de reencontro com a alma perdida.

Bom, com alma perdida ou achada a verdade que encontrei conhecidos em SP e a sensação foi incrível. Ainda mais porque parte dos encontros só se deu porque tinha uma galera dirigindo muito devagar na minha frente durante todo o trajeto de ida ao supermercado.

Xinguei, buzinei, reclamei. Mas ainda bem que no trajeto havia tantos motoristas a 30km por hora. Ou não teria encontrados meus amigos e escutado de São Paulo: “Você me pertence”.

Já era hora, né, São Paulo? São 8 anos de namoro, idas e vindas, noivado, ruptura e reconexão. Se a pergunta é: “Você me aceita?”, eu digo “Sim!”.

E você, pertence a onde?